China ameaça cancelar vistos de jornalistas que cobrem ‘protestos’
A paranoia que tomou conta das autoridades de Pequim depois que mensagens anônimas na internet convocaram manifestações contra o governo levou a polícia a intimar nos últimos dias quase 30 correspondentes estrangeiros para interrogatórios que pareciam sessões de intimidação.
Ontem à noite foi a minha vez. Todos os encontros ocorrem no departamento responsável pela concessão de vistos aos jornalistas, a maioria dos quais foi alertada de que poderão ter sua autorização de trabalho revogada caso não respeitem as regras do país. No meu caso, a advertência foi feita logo no começo da conversa.
O que provocou as ameaças foi a presença dos correspondentes no domingo na Wangfujing, uma das principais ruas comerciais de Pequim, apontada pela convocação anônima como local do protesto _que não chegou a ocorrer. No domingo anterior, praticamente todos que escreveram sobre o assunto disseram que havia mais policiais e jornalistas no lugar do que manifestantes. Provavelmente o tom seria o mesmo na cobertura da segunda tentativa de mobilização e logo o assunto seria esquecido.
Mas a ocupação da área por um imenso aparato de segurança e a agressão a jornalistas que tentavam realizar seu trabalho acabaram se transformando na principal notícia no domingo. O policial com quem me “reuni” ontem afirmou no meio da conversa que algo semelhante à Revolução do Jasmim que varre o mundo árabe jamais acontecerá na China, onde o povo ama o Partido Comunista e está extremamente satisfeito. A questão é: se o governo está tão seguro disso, por que reprimir de maneira tão violenta algo que nem chegou a ocorrer?
No fim do encontro, o policial pediu que eu assinasse um documento dizendo que nunca mais escreveria sobre a Revolução do Jasmim chinesa (que até agora não aconteceu…). Eu me recusei. Ele pediu então que eu prometesse verbalmente não escrever mais sobre o assunto, o que também recusei. Depois disso o encontro foi encerrado, com o policial dizendo que havia dado o seu recado: se eu voltar a descumprir as regras, meu visto será cancelado.
O problema é que na China não há clareza sobre o que é proibido ou permitido e a fronteira muda constantemente, de acordo com os interesses do governo. Isso não se aplica só aos correspondentes estrangeiros, mas também aos cidadãos do país. Em tese, os jornalistas podem desde 2008 visitar qualquer lugar _com exceção do Tibete_ e entrevistar qualquer pessoa que concorde em dar declarações. Não é necessário pedir autorização prévia de ninguém, segundo norma aprovada pelo Conselho de Estado da China alguns meses antes da Olimpíada de Pequim.
Com o interesse em torno da Wangfujing, o governo lançou mão de uma regulamentação da administração da região, segundo a qual atividades jornalísticas só podem ser realizadas no local mediante autorização. Nenhum correspondente havia sido informado previamente da exigência, que tem data de 1º de janeiro de 2011. Além disso, é absurdo imaginar que a orientação de administradores regionais de Pequim se sobreponha a uma determinação do Conselho de Estado…Mas o governo tem um instrumento na mão para dar um tosco verniz de legalidade à sua exigência de que os jornalistas não pisem na Wangfujing nos domingos _a mensagem anônima convoca demonstrações semanais por tempo indeterminado.
Xie Qingdong, do Departamento de Administração e Construção da Wangfujing, disse à agência de notícias Reuters que a restrição existe desde 2000, mas só foi escrita há dois meses. “As regras não eram muito específicas, por isso nós as atualizamos. Nós sempre pedimos que as pessoas pedissem permissão antes de realizar reportagens. Isso não estava escrito de maneira tão específica antes.”
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