quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Qual a lógica de produção de IPADs no Brasil?

Do blog Mansueto Almeida


Tinha prometido que não iria entrar neste debate. Mas confesso que já fiz de tudo para entender a fixação das autoridades governamentais para trazer a produção de IPADs para o Brasil e até agora não entendi e, sinceramente, gostaria de entender. Isso seria possível se alguém do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC) e/ou do BNDES se dispusesse a colocar no papel qual a estratégia de atrair a Foxconn para o Brasil e o que o país ganha com isso que não seja a simples montagem de produtos eletrônicos.

A ideia é interessante: o governo dá incentivos e traz para o Brasil a montagem de um produto que, supostamente, envolve elevado conteúdo tecnológico, elevado valor adicionado e cuja produção poderia até servir de plataforma de exportação para outros países da América Latina.

É impossível não fazer um paralelo disso com os objetivos da Lei de Informática: (i) aumento da densidade da cadeia produtiva e da densidade tecnológica do setor de TICs no Brasil, (ii) aumento das parcerias entre universidades e institutos de pesquisa; (iii) aumento da competitividade das empresas brasileiras e maior inserção no mercado internacional, etc. O que de fato se conseguiu com a Lei de Informática?

Segundo avaliação oficial desta lei concluída recentemente e infelizmente não divulgada (mas apresentação em power point está disponível na internet), os autores do estudo contratado pelo MCT ao CGEE mostraram que: a Lei de Informática proporcionou aumento da produção local e do número de empregos gerados; proporcionou aumento da capacidade de inovação com densidade científica e tecnológica relativamente baixa; não teve impacto substantivo na inserção global, não estimulou a entrada em serviços e em segmentos de hardware de maior valor agregado, e a Lei focou no incentivo a produção com efeitos limitados na criação de valor.

Em resumo, a avaliação recente da Lei de Informática mostra que tivemos sucesso em atrair a montagem de produtos, mas isso aumentou ou déficit comercial já que a especialização em montagem envolve importação de componentes como é o caso dos celulares, que são montados aqui com peças importadas. O total de importação sobre o faturamento dos produtos incentivados pela Lei de Informática, por exemplo, passou de 20%, em 2002 e 2003, para cerca de 60%, em 2009.

Ao que parece, a Lei de Informática teve sim alguns efeitos positivos, mas o que se destacou foi muito mais a produção com uso crescente de insumos importados do que o aumento da inovação, agregação de valor e inserção global. Sinceramente, não vejo nada muito diferente na ênfase excessiva que tem sido dada na montagem de IPADs no Brasil pela Foxconn.

Alguns esperam que a Foxconn, ao produzir IPADs no Brasil, empregue mão-de-obra qualificada (engenheiros) e traga fornecedores de insumos, o que levaria a transferência de tecnologia para empresas domésticas que poderiam entrar na lista de fornecedores da Foxconn. Isso faz sentido? Infelizmente, essa expectativa pelo que sei não tem respaldo nem com o modus operandi da Foxconn e nem tão pouco com a organização da cadeia global de um produto como o IPAD.

Em primeiro lugar, a Foxconn opera com fábricas de grande escala, algumas com mais de 400.000 trabalhadores que são verdadeiras fábricas em forma de cidades. Embora a Foxconn seja uma empresa de Taiwan, fez elevados investimentos para montar os IPADs, IPhones e Ipods na China porque tanto a carga tributária (mesmo de 20% do PIB) quanto o custo da mão-de-obra (em dólar) na China são baixos. O Brasil não passa neste teste e, assim, a única forma de sermos competitivos no âmbito global na montagem desses produtos seria com MUITOS incentivos fiscais e financeiros de todos os tipo que se possa imaginar e, por que não, com uma montanha de recursos do BNDES para facilitar a atração da Foxconn.

Segundo, já foi fartamente documentado por quem estudou o assunto que “agregação de valor” não tem absolutamente nada a ver com o “local da produção” e o melhor exemplo disto é justamente o modelo de negócios da Apple e a produção de IPOD (clique aqui), IPHONE e IPAD. Kenneth L. Kraemer, Greg Linden, e Jason Dedrick (clique aqui) estudaram a formação de valor na produção desses produtos e mostraram de forma inequívoca que o valor adicionado na China que produz esses aparelhos é pequeno e que os EUA, que não produzem um único IPAD mas controlam o design, o software e a marca, é quem mais ganha em cada IPAD produzido. O gráfico do texto dos autores acima não deixa dúvidas.

Divisão de Valor da Produção do IPAD – 2010

Fonte: Kenneth L. Kraemer, Greg Linden, e Jason Dedrick (2011)

Do valor total de US$ 499 de um IPAD de 16 GB WI-FI, em 2010, os EUA ficavam com 32% do valor, US$ 162, sendo US$ 150 (30%) da Apple e US$ 12 (2%) de firmas americanas fornecedoras da Apple. O equivalente a US$ 154 (31%) do valor do IPAD era custo dos insumos (produtos) utilizados na sua fabricação. O ganho da China na fabricação de cada IPAD era US$ 8 (1,6%), o valor da mão-de-obra empregada na fabricação dos IPADs e parte dos US$ 27 (5%) do lucro dos fabricantes de componentes cuja nacionalidade não foi identificada.

Quem de fato agrega valor ao IPAD é a Apple. Do valor final do IPAD de US$ 499, o preço de atacado para a Apple é de US$ 424. Desse total, se retiramos o valor dos insumos materiais utilizados no processo de produção (US$ 154) tem-se um valor adicionado de US$ 270 do qual US$ 150 (56% do valor adicionado) termina em Cupertino no Vale do Silício na sede da Apple.

É claro que os cálculos acima do texto do Kraemer et. Al (2011) não tiram em nada o mérito do fundador da Foxconn, Terry Gou, e da sua espetacular história com a Foxconn. Terry Gou construiu um império com mais de um milhão de trabalhadores e se tornou o homem mais rico de Taiwan a partir de um empréstimo de US$ 7.500 que conseguiu com a sua mãe aos 23 anos de idade. A Foxconn consegui ao longo de sua história despontar não apenas como um grande fornecedor da Apple, mas também de empresas como IBM, HP, DELL e Nokia. É sem dúvida um excelente caso de sucesso para os cursos de administração de empresas como é também a história do Wal-Mart e seu modelo de negócios que revolucionou o varejo e a produção de vários produtos industriais e agrícolas.

Do ponto de vista de política industrial, no entanto, não é tão claro o ganho para o Brasil na produção, ou melhor, na montagem de IPADs graças a incentivos fiscais e financeiros, junto com recursos do BNDES que serão utilizados para viabilizar a ampliação das operações da Foxconn aqui. O que questiono não é o ganho privado para a empresa, mas o benefício social que justificaria a aplicação de recursos dos contribuintes em uma empresa privada.

O melhor seria, talvez, turbinar o funcionamento de fundos de venture capital, uma indústria ainda pequena no Brasil, para fomentar um pouco de Steve Jobs que existe em muitos jovens que, devido a todas espécies de dificuldades para se iniciar um novo empreendimento no Brasil, terminam fazendo concurso público ou indo trabalhar em instituições financeiras.

É claro que do ponto de vista estritamente político, trazer uma empresa como a Foxconn para o Brasil é ganho líquido e certo para os políticos envolvidos no processo: o benefício da entrada de uma grande empresa é sempre acompanhada do aumento de contratações de mão-de-obra, investimentos fixo, etc. e, assim, o benefício é imediato. Os custos para sociedade decorrente do incentivos fiscais e financeiros não são divulgados e só ficam claros ao longo do tempo. É por isso que políticos continuam a fazer uso da guerra fiscal como instrumento de promoção do desenvolvimento local, regional e nacional, independentemente do país e da filiação partidária.

Seria bom para o debate que o governo divulgasse um estudo completo dos custos e benefícios de incentivar com recursos públicos a expansão da Foxconn no Brasil, ao invés de simplesmente falar que “vamos produzir o IPADs”. Se for para produzir o IPAD como a China faz e ficar com apenas US$ 8 do valor adicionado, confesso que não acho isso uma boa estratégia. E há motivos de sobra para se preocupar quando se olha para os resultados da Lei de Informática, que mostra que tivemos “sucesso” para internalizar parte da produção de equipamentos de telecomunicação, mas falhamos na criação de empresas globalmente competitivas.

Fica aqui o desafio para que nós pobres mortais tenhamos acesso a algum estudo de custo e benefício da utilização de recursos públicos para a produção de IPADs no Brasil. Apenas aqueles que estão envolvidos diretamente nas conversas com a Foxconn teriam condições de fazer esse estudo, ou seja, MCT, MDIC e/ou BNDES.

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